O Sucesso de Sócrates
No DN de hoje, 17 de Julho, vem um artigo de opinião interessante de um homem declarado do PSD, em que se rende às evidências e da acção do primeiro-ministro. Vale a pena ler. E para os mais cépticos e críticos, aconselha-se a meditação e a aprendizagem.
"Há, no mínimo, cinco explicações para José Sócrates, primeiro-ministro, estar em tão boas graças com a maioria dos portugueses, mesmo quando os afronta, desvaloriza e reduz à sua insignificância. E são razões já testadas, por outros, noutros países, e que tiveram sucesso durante muitos anos. É o que o futuro nos reserva, salvo imprevistos.
1. Estilo. Sócrates, com a experiência que já tinha de Governo, e com a sucessão de altos e baixos que foi conhecendo, quando o seu partido estava na oposição, dedicou-se, pela certa, à criação de um estilo inconfundível, embora plasmado, quase na íntegra, do que foi vendo na Grã-Bretanha e nos EUA. Blair e Clinton, embora o primeiro com mais semelhanças, foram, certamente, os inspiradores dessa nova escola, onde o que conta não é a ideologia, ou a clivagem política, mas apenas o estilo de actuação e o modelo de acção. Se é a terceira ou quarta via pouco interessa, tanto ao partido que assume o poder como à maioria dos eleitores. Blair, como Sócrates, percebeu que o eleitorado de hoje não está para as tricas do século passado, e que o ritmo e a rapidez de acção são as chaves do sucesso imediato. Obviamente que o "castelo" tende a desmoronar-se com o passar dos anos, quando se começa a espremer tudo, mas até lá só é vencedor quem mimetiza o pragmatismo. O estilo é muito, ou quase tudo, e isso Sócrates percebeu, mesmo antes de chegar a S. Bento.
2. A linearidade. Em declínio permanente, os portugueses estavam e estão fartos de políticos fugazes, envolvidos em grandes retóricas e sem capacidade de acção ou poder. Assim sendo, optaram por escolher um homem que lhes mostrava outro caminho, bem mais linear, claro, objectivo e pouco dado a angústias, mesmo que envolvido num partido tradicionalmente depressivo e sem grandes arremedos. Sócrates, por si só, mostrou ser um líder inovador, da "geração tek", onde o presente é tudo, o passado uma chatice e o futuro longínquo. Os portugueses queriam um líder, mais do que um Governo, e tiveram-no. Ele manda calar quem fala de mais, irrita-se facilmente, exprime dureza quando interpela e não tem medo de assumir. Foi esta linearidade que tornou Blair imbatível, durante uma década, é certo, mas que, como tudo, chegou à fase de esticar e partir. Como nós andamos sempre atrasados, vamos ter Sócrates por muito e longo tempo.
3. A mensagem. Tendo um estilo próprio e uma linearidade inata, foi fácil a Sócrates construir a mensagem, torná-la acessível e tão repititiva quanto eficaz. Quem reparar bem nas suas intervenções, discursos ou entrevistas vê que Sócrates martela incansavelmente as mesmas palavras, ideias e tiradas. É sucesso garantido, desde que vá inovando a formulação, como faz. Caso contrário, teríamos uma cassete, e isso não levaria a lado nenhum. Ele escolhe as mensagens, o momento e o auditório, e juntando tudo, com o seu ar feliz e sorridente, cativa quem o ouve e acompanha. Pode estar a "vender-nos" a pior das decisões, mas fá-lo com tal ardor e autoconvencimento que mais parece um pastor tele-evangelista.
4. O cenário. Possuindo essa alma de orador de uma Igreja genuinamente americana, Sócrates usa e abusa, como ninguém em Portugal, até agora, uma máquina cénica invulgar e bem preparada. Daí se explica a sucessão de promessas, planos, anúncios que, pouco tendo de concreto, transmitem uma imagem de eficácia governativa ímpar, e de trabalho contínuo e árduo. Hoje é isto, amanhã aquilo, e depois aqueloutro. Cumprindo ou não, com boas ou más decisões, o que interessa é a ideia de um movimento imparável e de trabalho incansável. É verdade, também, que não bastaria apenas o espectáculo: muitos dos planos são interessantes, ou mesmo bons, e isso começa a verificar-se no dia-a-dia dos portugueses. É o lado mais importante desta encenação política: algumas das coisas têm de funcionar, para o cenário aguentar, a mensagem passar e o estilo cativar.
5. O tempo. Por fim, Sócrates adivinhou o futuro. Sabendo que o PSD e o PP ainda estão a séculos destas inovações - é uma luta entre o "morse" e o "sms" -, Sócrates sabe que ainda está para chegar a oposição que o inquiete, abane e cause insónias. Talvez lá para 2015..."
Luís Delgado
Jornalista
http://dn.sapo.pt/2006/07/17/opiniao/suc